ALGUMAS NOÇÕES SOBRE O DESENVOLVIMENTO DA DANÇA CÊNICA EM ÁFRICA – PARTE I
Por Rose Mara Silva
É
sempre complicado para nós, educados dentro da matriz de pensamento
ocidental, compreender as complexidades dos povos de outros
continentes, por vezes acabamos incorrendo em perigosas sínteses.
Por isso entrego esse texto para seus olhos, caro leitor, com muito
cuidado e atenção, e já inicialmente enfatizo que, mesmo estudando
continuamente, eu também tenho uma compreensão limitada das coisas,
e tentarei trazer aqui algumas questões abordadas na conversa com o
Mestre Mohamed Ifono.
Muito
pouco se fala/sabe sobre o desenvolvimento da dança cênica
africana, eu inclusive, tive professores na graduação (Bacharelado
em Dança) que diziam “não existir” dança cênica em África,
sendo assim, é necessário que muitos artistas e pesquisadores se
debrucem sobre esse tema, pois ele carrega uma série de questões
que possibilitam um melhor entendimento sobre os conhecimentos de
contextos africanos para além dos domínios das artes.
Um
dos primeiros pontos à flexibilizar quando tratamos as artes da cena
em África é a noção de tradicional. Há algum tempo várias
vertentes das humanidades vem tentando quebrar essa noção de linha
de tempo que coloca a ideia de tradição num lugar estanque,
relacionado apenas ao “passado” e incapaz de se relacionar com o
“futuro”. Sendo assim, é importante salientar já na entrada que
esse texto quando fala de tradição, a aborda como uma noção
transversal que atravessa os tempos, se atualiza, se reconfigura e
que é atemporal (no sentido cronológico da palavra). Uma outra
questão é a noção de realidade aberta presente em diferentes
âmbitos da cultura africana, sendo assim, procurarei trazer aqui
pensamentos e dados sobre alguns aspectos das danças cênicas em
África sem tentar fechar nenhum conceito ou ideia, porque isso seria
demasiada pretensão. Coloco então algumas noções pinçadas de
estudos e vivências para contribuir na construção da teia de
conhecimento sobre as danças africanas e por consequência sobre as
danças diaspóricas.
Dada
a concepção transversal das realidades do continente africano, é
muito difícil falarmos do movimento de instauração das danças
cênicas em África, sem falar das questões políticas que as
envolvem. Durante o período de libertação da colonização, vários
movimentos nacionalistas surgiram em África, entendia-se naquele
momento que um retorno ao seio da cultura africana de cada país era
necessário, e a dança foi um fator de extrema importância dentro
desse contexto. É importante ressaltar que não foi um movimento
comum de todos os países, os diferentes países adotaram diferentes
movimentos de libertação, cada um lutando à sua maneira, no
entanto, alguns países assumiram traços semelhantes entre eles a
criação de Balés e Conjuntos Nacionais de Dança, sendo pioneiros
nessa área: Guiné-Conacri, Congo, Costa do Marfim, Senegal e
Burkina Faso. As relações políticas presentes na fundação desses
grupos são bastante complexas e tratarei delas em outro texto, hoje
voltaremos nossos olhos para algumas das questões cênicas.
Um
outro ponto a considerarmos é que muito se fala sobre a “dança
tradicional africana” de forma generalizada, sem considerar o
contexto onde ela está inserida. Assim, é necessário salientar que
a dança feita nos palcos não é a mesma feita nas celebrações
cotidianas, esses balés são compostos de elementos motores,
rítmicos e simbólicos presente nessas celebrações, pesquisados em
profundidades, repensados e transformados para a cena, perdendo
alguns de seus elementos constituintes de base como os observadores
em círculo, por exemplo, e ganhando linhas e definições nos
movimentos. Possivelmente muitos dos que estão lendo esse texto já
fizeram ou fazem aulas de “danças tradicionais africanas”, sendo
assim, estão em realidade participando de um processo de
transformação e reconfiguração de passos codificados pelos grupos
que reelaboraram a mais diversas danças, de diversos contextos, para
a cena. Segundo a Enciclopédia da Diáspora Africana: no continente
africano música e dança – de norte a sul, de leste a oeste –
são ferramentas situadas conjunta e firmemente dentro de formas,
técnicas e estruturas; e estão também conectados as emoções, sentimentos e sistemas de crença que dão sustentação
à coexistência no âmbito social e às relações com o meio
ambiente. Sendo assim, a dança cênica africana leva esses
princípios para a cena em performances envolventes, de grande
virtuose e expertise. Para saber mais:
(https://books.google.com.br/books?id=nkVxNVvex-sC&hl=pt-BR)
Desse grande contexto vamos voltar nossos olhos para a Guiné-Conacri,
primeiro país em África a formar seu corpo de baile. A República
da Guiné, cuja a capital recebe o nome Conacri, tem 246.000
quilômetros quadrados e dez milhões de habitantes, sofreu a
colonização francesa, sendo liberta em 1958, tendo como presidente
eleito em votos territoriais Ahmed Sekou Touré. Composta por mais de
20 grupos étnicos, tendo como principais os peul ou poular, os
malinké ou maninka, os soussou, a Guiné-Conacri teve como língua
colonial a françesa e após a independência adotou o soussou como
idioma oficial (ainda há textos que colocam o francês como língua
oficial da Guiné-Conacri). Para saber mais acesse: (
http://www.axl.cefan.ulaval.ca/afrique/guinee_franco.htm
)
Sekou Touré estabeleceu uma política cultural de altíssimo calibre
tendo como carro chefe Les Ballets Africaines que daqui pra frente
trataremos de Os Balés Africanos. Para saber mais acesse: (
http://www.afrisson.com/Les-Ballets-Africains-de-Keita-13721.html)
Os
Balés Africanos, continham bailarinos músicos e dançarinos, de
extrema excelência, formados por diretores e mestres que percorreram
várias regiões da África catalogando danças, ritmos, mitos,
vestimentas e demais traços estéticos e culturais que serviriam de
base para a montagem das coreografias. Foi feita uma pesquisa
extensa, Os Balés Africanos tratavam enfaticamente da herança
cultural da Guiné-Conacri, mas também abordavam questões de outros
territórios, quem comandava com mãos de aço todo esse contexto
criativo era o Diretor Artístico Keita Fodeba. Os membros d'Os Balés
Africanos eram considerados embaixadores da cultura e arte africanas
em contexto mundial, tendo sua primeira apresentação realizada no
Théâtre de l'Étoile no Champs-Élysées, em Paris no ano 1952.
Apresentações foram feitas no mundo inteiro, em turnês que duravam
de dois a três meses, Os Balés Africanos chegaram a realizar cerca
de 250 apresentações por ano. Fazer parte desse enorme projeto cultural requeria dos
artistas excelência em ao menos um de três domínios que incluíam:
acrobacias, percussão e canto entre os homens; e dança, atuação
cênica e canto para mulheres. Num outro momento escreverei um texto
mais profundo sobre esse projeto. Os Balés Africanos, cresceram e muito, e geraram muitos movimentos inclusive a criação de um segundo grupo: o Ballet Nacional Joliba, que recebeu à convite do presidente Sekou Touré em 1973, a direção geral de Mohamed Kemoko Sano promovido a diretor coreográfico d'Os Balés Africanos.
Um
projeto artístico dessa dimensão teve um impacto muito grande na
organização sócio política da Guiné-Conacri, e essas questões
serão abordadas no próximo texto, no qual entraremos em diálogo
com o Mestre Mohamed Ifono.
Artistas
reconhecidos mundialmente que passaram pel'Os Balés Africanos (Para saber mais clique em cima dos nomes):
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Por Rose Mara Silva
É sempre complicado para nós, educados dentro da matriz de pensamento ocidental, compreender as complexidades dos povos de outros continentes, por vezes acabamos incorrendo em perigosas sínteses. Por isso entrego esse texto para seus olhos, caro leitor, com muito cuidado e atenção, e já inicialmente enfatizo que, mesmo estudando continuamente, eu também tenho uma compreensão limitada das coisas, e tentarei trazer aqui algumas questões abordadas na conversa com o Mestre Mohamed Ifono.
Muito
pouco se fala/sabe sobre o desenvolvimento da dança cênica
africana, eu inclusive, tive professores na graduação (Bacharelado
em Dança) que diziam “não existir” dança cênica em África,
sendo assim, é necessário que muitos artistas e pesquisadores se
debrucem sobre esse tema, pois ele carrega uma série de questões
que possibilitam um melhor entendimento sobre os conhecimentos de
contextos africanos para além dos domínios das artes.
Um
dos primeiros pontos à flexibilizar quando tratamos as artes da cena
em África é a noção de tradicional. Há algum tempo várias
vertentes das humanidades vem tentando quebrar essa noção de linha
de tempo que coloca a ideia de tradição num lugar estanque,
relacionado apenas ao “passado” e incapaz de se relacionar com o
“futuro”. Sendo assim, é importante salientar já na entrada que
esse texto quando fala de tradição, a aborda como uma noção
transversal que atravessa os tempos, se atualiza, se reconfigura e
que é atemporal (no sentido cronológico da palavra). Uma outra
questão é a noção de realidade aberta presente em diferentes
âmbitos da cultura africana, sendo assim, procurarei trazer aqui
pensamentos e dados sobre alguns aspectos das danças cênicas em
África sem tentar fechar nenhum conceito ou ideia, porque isso seria
demasiada pretensão. Coloco então algumas noções pinçadas de
estudos e vivências para contribuir na construção da teia de
conhecimento sobre as danças africanas e por consequência sobre as
danças diaspóricas.
Dada
a concepção transversal das realidades do continente africano, é
muito difícil falarmos do movimento de instauração das danças
cênicas em África, sem falar das questões políticas que as
envolvem. Durante o período de libertação da colonização, vários
movimentos nacionalistas surgiram em África, entendia-se naquele
momento que um retorno ao seio da cultura africana de cada país era
necessário, e a dança foi um fator de extrema importância dentro
desse contexto. É importante ressaltar que não foi um movimento
comum de todos os países, os diferentes países adotaram diferentes
movimentos de libertação, cada um lutando à sua maneira, no
entanto, alguns países assumiram traços semelhantes entre eles a
criação de Balés e Conjuntos Nacionais de Dança, sendo pioneiros
nessa área: Guiné-Conacri, Congo, Costa do Marfim, Senegal e
Burkina Faso. As relações políticas presentes na fundação desses
grupos são bastante complexas e tratarei delas em outro texto, hoje
voltaremos nossos olhos para algumas das questões cênicas.
Um
outro ponto a considerarmos é que muito se fala sobre a “dança
tradicional africana” de forma generalizada, sem considerar o
contexto onde ela está inserida. Assim, é necessário salientar que
a dança feita nos palcos não é a mesma feita nas celebrações
cotidianas, esses balés são compostos de elementos motores,
rítmicos e simbólicos presente nessas celebrações, pesquisados em
profundidades, repensados e transformados para a cena, perdendo
alguns de seus elementos constituintes de base como os observadores
em círculo, por exemplo, e ganhando linhas e definições nos
movimentos. Possivelmente muitos dos que estão lendo esse texto já
fizeram ou fazem aulas de “danças tradicionais africanas”, sendo
assim, estão em realidade participando de um processo de
transformação e reconfiguração de passos codificados pelos grupos
que reelaboraram a mais diversas danças, de diversos contextos, para
a cena. Segundo a Enciclopédia da Diáspora Africana: no continente
africano música e dança – de norte a sul, de leste a oeste –
são ferramentas situadas conjunta e firmemente dentro de formas,
técnicas e estruturas; e estão também conectados as emoções, sentimentos e sistemas de crença que dão sustentação
à coexistência no âmbito social e às relações com o meio
ambiente. Sendo assim, a dança cênica africana leva esses
princípios para a cena em performances envolventes, de grande
virtuose e expertise. Para saber mais:
(https://books.google.com.br/books?id=nkVxNVvex-sC&hl=pt-BR)
Desse grande contexto vamos voltar nossos olhos para a Guiné-Conacri,
primeiro país em África a formar seu corpo de baile. A República
da Guiné, cuja a capital recebe o nome Conacri, tem 246.000
quilômetros quadrados e dez milhões de habitantes, sofreu a
colonização francesa, sendo liberta em 1958, tendo como presidente
eleito em votos territoriais Ahmed Sekou Touré. Composta por mais de
20 grupos étnicos, tendo como principais os peul ou poular, os
malinké ou maninka, os soussou, a Guiné-Conacri teve como língua
colonial a françesa e após a independência adotou o soussou como
idioma oficial (ainda há textos que colocam o francês como língua
oficial da Guiné-Conacri). Para saber mais acesse: (
http://www.axl.cefan.ulaval.ca/afrique/guinee_franco.htm
)
Sekou Touré estabeleceu uma política cultural de altíssimo calibre
tendo como carro chefe Les Ballets Africaines que daqui pra frente
trataremos de Os Balés Africanos. Para saber mais acesse: (
http://www.afrisson.com/Les-Ballets-Africains-de-Keita-13721.html)
Os
Balés Africanos, continham bailarinos músicos e dançarinos, de
extrema excelência, formados por diretores e mestres que percorreram
várias regiões da África catalogando danças, ritmos, mitos,
vestimentas e demais traços estéticos e culturais que serviriam de
base para a montagem das coreografias. Foi feita uma pesquisa
extensa, Os Balés Africanos tratavam enfaticamente da herança
cultural da Guiné-Conacri, mas também abordavam questões de outros
territórios, quem comandava com mãos de aço todo esse contexto
criativo era o Diretor Artístico Keita Fodeba. Os membros d'Os Balés
Africanos eram considerados embaixadores da cultura e arte africanas
em contexto mundial, tendo sua primeira apresentação realizada no
Théâtre de l'Étoile no Champs-Élysées, em Paris no ano 1952.
Apresentações foram feitas no mundo inteiro, em turnês que duravam
de dois a três meses, Os Balés Africanos chegaram a realizar cerca
de 250 apresentações por ano. Fazer parte desse enorme projeto cultural requeria dos
artistas excelência em ao menos um de três domínios que incluíam:
acrobacias, percussão e canto entre os homens; e dança, atuação
cênica e canto para mulheres. Num outro momento escreverei um texto
mais profundo sobre esse projeto. Os Balés Africanos, cresceram e muito, e geraram muitos movimentos inclusive a criação de um segundo grupo: o Ballet Nacional Joliba, que recebeu à convite do presidente Sekou Touré em 1973, a direção geral de Mohamed Kemoko Sano promovido a diretor coreográfico d'Os Balés Africanos.
Um
projeto artístico dessa dimensão teve um impacto muito grande na
organização sócio política da Guiné-Conacri, e essas questões
serão abordadas no próximo texto, no qual entraremos em diálogo
com o Mestre Mohamed Ifono.
Artistas
reconhecidos mundialmente que passaram pel'Os Balés Africanos (Para saber mais clique em cima dos nomes):
Referência:
http://www.jeuneafrique.com/229374/culture/ballets-africains-quand-la-guin-e-abandonne-ses-danseurs/
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