Parte 1 - O BLACK ARTS MOVEMENT: SIGNIFICADO E POTENCIAL

Esta é uma tradução livre do ensaio "The Black Arts Movement: Its meaning and potencial", escrito pelo poeta, dramaturgo e ativista Amiri Baraka (1934-2014) em 1994, apresentado no Simpósio "Visualizando a Negritude (Blackness)", do Centro de Pesquisa e Estudos Africanos da Universidade de Cornell em 13 de outubro de 2000. Publicado pelo Nka: Journal of Contemporary African Art, 29, de 2011, pp. 22-31, em publicação da Universidade de Duke. Disponível em: http://muse.jhu.edu/article/480693




TEXTO DE: Amiri Baraka
TRADUÇÃO: Rose Mara Kielela

No final dos anos 1950, o movimento dos direitos civis dos EUA alcançou uma nova força com a vitória do boicote aos ônibus em Montgomery, o surgimento de Martin Luther King Jr., e a formação Conferência da Liderança Cristã do Sul. A revolução cubana trouxe para essa época um clímax estrondoso com mais uma vitória popular democrática. Em 1960 o movimento estudantil negro tinha se formado fora do espaço Greensboro Black Student, e logo o Student Nonviolent Coordinating Committee iria entrar no palco da luta do povo negro. Assim, no início da década de 1960, fomos presenteados com a mudança para a liderança de Malcolm X.Esta foi a época em que, como Mao Tse-Tung disse, "os países querem a independência, as Nações querem a libertação e as pessoas querem a revolução!" E como costumávamos citá-lo muitas vezes, "a revolução é a principal tendência no mundo de hoje!" Os movimentos da libertação africana, desde a insurreição Mau-mau no Quênia, também ganharam reconhecimento mundial. Os nomes Kenyatta, Azikiwe, Toure, Nyerere, e Nasser eram ouvidos.

Em 1961 eu conheci Askia Toure, juntamente com outros companheiros, em frente da US Mission das Nações Unidas, onde nos reunimos com centenas de outras pessoas, incluindo Aishah Rahman, Mae Mallory e Calvin Hicks, para protestar contra o assassinato de Patrice Lumumba pelos Estados Unidos, Bélgica, e a escória traidora que na época desta escrita ainda sentou na sede do poder do Zaire, Joe Mobutu.
Para muitos de nós que viviam na periferia de Nova York, as dimensões políticas dos tempos foram sempre silenciadas pela anarquia burguesa mesquinha da comunidade das artes, em grande parte branca, em que viviamos. Mas como toda a sociedade se aqueceu com a luta, rebelião e revolução, suponho que os mais politicamente sensíveis de nós começaram se afastar da rubrica burguesa em que a arte e a política eram entidades separadas e exclusivas.

Então, no início dos anos 1960, não só eu já tinha ido a Cuba para testemunhar o início da revolução que Fidel Castro e o povo de Cuba tinham trazido para o mundo, mas quando voltei me envolvi rapidamente em ajudar a unir organizações políticas com a Organização de Homens Jovens; fundando um jornal político, o In/formação; e juntando-me à organização esquerdista, chefiada por Calvin Hicks e Archie Shepp.
Em poucos meses também tinha me tornado presidente da Organização Jogo Justo para Cuba em Nova York. Fui para Cuba com Harold Cruse, Sarah Wright, Julian Mayfield, Ed Clark, entre outros, e lá encontrei o grande Robert Williams, de Monroe, Carolina do Norte, que tinha sido mais recentemente excomungado da NAACP (National Association for the Advancement of Colored People) por afirmar abertamente que os negros tinham o direito de auto-defesa contra os ataques da Ku-Klux-Klan. Williams mesmo liderou uma iniciativa da NAACP para emboscar o Klan e remover seus capuzes e armas. Eu estou dizendo tudo isso para definir o cenário de onde vieram os jovens negros que iriam colocar adiante o conceito e a organização do Black Arts Repertory Theater/School (BARTS).

Não foi só a luta pela democracia em sua intensidade mais elevada, quando Malcolm X pisou no palco central, veio também uma onda de agitação nacionalista negra e propaganda, que muitos de nós jamais tinha visto antes. Muitos de nós não estavam familiarizados com a nação do Islã, especialmente se estivéssemos vivendo fora das Comunidades Negras. Elijah Muhammad era desconhecido, e Malcolm X traduziu em palavras toda a torrente vulcânica de raiva e frustração que muitos de nós sentiamos com o movimento dos direitos civis.
O "Dar-a-outra-face" e "não-violência" era abordagens para a luta pela democracia que rejeitávamos. Nós não entendíamos o por quê devíamos continuar a deixar hooligans ignorantes nos atacar para mostrar que éramos nobres ou que mereciamos ser cidadãos. A televisão mostrava um horror interminável de pessoas negras sendo atacadas a mangueiradas de água, espancadas, perseguidas por cães de duas e quatro patas, linchadas, presas, etc.  Não só a escória fazia isso, mas os negros aceitavam.

É por isso que a revolução cubana era tão forte na nossa percepção. É por isso que Robert Williams era nosso herói. É por isso que demonstramos nosso apoio a Lumumba e lutamos naquelas ruas com a polícia, apesar de Ralph Bunche nos dizer que estava envergonhado, que estávamos em público agindo como “Niggaz”. Então, quando Malcolm se adiantou e começou a ensinar auto-determinação, auto-respeito, e auto-defesa, ele tocou um ponto profundo dentro da alma de um amplo espectro de pessoas negras, particularmente a juventude negra. E para aqueles de nós que viviam fora da comunidade, seu impacto foi profundo e provocou mudança de vida.

Como explicava Frantz Fanon os intelectuais nascidos em sociedades coloniais que se tornaram tão integrados na superestrutura burguesa mesquinha, e até mesmo na vida social marginal da nação opressora, quando atigem pela primeira vez a  auto-consciência do quão profundamente aderiram as ideias de seus opressores, assumindo as filosofias de nossa própria inferiorização, ficam profundamente mortificados. Fanon diz que os intelectuais em seguida se tornam mais negros, ou super Africanos, para cobrir e descartar a sua consciência dupla, como W. E. B. du Bois a chamava. Eu acho que houve, muito, obviamente, algumas dessas supercompensações em algumas das manifestações interiores e públicas do Movimento das Artes Negras. Fanon também disse que, se esses intelectuais continuassem a lutar no dia-a-dia do movimento revolucionário prático, então haveria uma chance de poderem tornar-se revolucionários autênticos ao invés de ficar apenas na compensação.

Nós éramos um grupo de intelectuais negros que viviam em maior parte no centro de Nova York, na vila Greenwich, ou no Lower East Side. Nossa vida social diária foi, na maior parte, unida diretamente, ou marginalmente, com as artes burguesas mesquinhas e a comunidade intelectual, ou pelo menos essa era a nossa presunção. Tirando algumas ações que alguns dos mais sensíveis entre nós estavam fazendo, o que restava era a mais profunda fome em nossas almas, o desejo de democracia, a auto-determinação, a compreensão de que não importava o quanto fossemos reconhecidos ou aceitos como artistas, etc, ainda estaríamos de alguma forma sobrecarregados com a realização desorientadora da alienação.

            Como fomos nos tornando mais conscientes, soubemos o que nos era exijido era uma arte de luta, uma arte que relacionava à realidade de nossa história e a vida real do mundo, particularmente do povo afro-americano, tornou-se então  nítido que o padrão burguês de uma estética da separação entre as artes e a política era estúpido e se tornava mais e mais abertamente falido. Em um sentido profundo a música, jazz, blues, música nova, eram elementos sustentadores de nossas vidas. Nós poderíamos senti-la; Poderíamos tornar-nos verdadeiramente conscientes dentro dela. E à medida que os anos 1960 se moviam, um setor significativo de artistas negros no centro se tornou mais isolado do chamado mainstream pela necessidade crescente de expressar plenamente as suas almas, e a conexão da mente com a luta negra em nossa arte e na rua. Quando eu conheci Askia, eu nem sabia que ele era um poeta, Larry Neal e Max Stanford, idem. Estivemos na luta para libertar as pessoas negras, para nos libertarmos. Começamos a nos unir para discutir o movimento. Estávamos em diferentes organizações. Em guarda, RAM, Umbra, alguns até mesmo no CP e os SWP. Intelectuais e artistas negros buscando a verdadeira auto-consciência.

Nós batemos sobre a idéia de circulação de propaganda e agitação entre os negros da baixa para envolver-nos diretamente na luta de libertação. Quando Robert Williams estava lutando com o Klan, lhe enviamos armas. Havia uma pessoa do nosso grupo presa em uma emboscada pelo FBI, que foi incriminada de tentar explodir a estátua da liberdade. Passamos muito tempo viajando para trás e para frente os bairros e o Harlem. Trabalhando politicamente no Harlem, que se tornou o emblema da nossa sinceridade. Não importava que a maior parte de nós ainda morasse no centro.

A transformação explosiva da nossa frustração quantitativa, construída sobre o genuíno desejo de libertação, para a personalidade qualitativa que deve ter um ativista totalmente militante na luta de libertação foi o assassinato de Malcolm. Seu assassinato pelo FBI, pelo governo federal, por meio de agentes nativos, foi o que nos enviou para dentro dos vários subúrbios de todo o país, buscando nossa "escuridão" como Fausto tentando recuperar sua alma. O mês após o assassinato de Malcolm um grupo de nós chegou no Harlem, para procurar residência permanente e para vingar o assassinato de dele. Tínhamos realizado angariação de fundos no centro. Pouco antes de sairmos, tivemos uma arrecadação de fundos no Old St. Marks Theater, onde a minha peça The Toilet and Experimental Death Unit #1, apresentando Barbara Ann Teer; Black Ice de Charles Patterson; e The Black Tramp, de Nat White (de quem nunca ouvimos falar de novo), foram executadas para arrecadar dinheiro para nossa mudança.

Alugamos um prédio em West 130º Street perto da Avenida Lenox, demolimos as paredes do primeiro andar e começamos nosso trabalho. O anúncio de nossa chegada em Harlem foi um desfile, com o pequeno grupo de jovens artistas negros, liderados pelo grande gênio Sun Ra e sua então "ciência do mito" Arkestra. Ainda temos fotos disso. O que o povo de Harlem pensou disso, nós iríamos descobrir nas várias formas como trabalhamos. Mas essa foi a abertura. O estranho, o interplanetário, o mundo heliocêntrico de Sun Ra, nosso ponto sincopado, e eu carregando um estandarte, projetado pelo pintor William White, o trágico/cômico (como a terra, no sul o sorriso de alegria, e no norte a carranca da tristeza) a máscara de dialética do drama, formando um escudo Africano em preto e dourado. Nós caminhamos todo o percurso, determinados a fazer uma revolução.



O nome Black Arts tinha vindo em uma de nossas reuniões no centro da cidade, onde nós demos um ao outro posto militar e o compromisso de apelar a  qualquer meio, mesmo a revolução armada. Nós dissemos, “Como devemos chamar isso então, organização secreta negra de artistas e intelectuais?” Lembro-me de Larry Neal, Max Stanford, Cornelius Suares, Clarence Franklin, Askia Toure, William White, Charles e William Patterson (os dois últimos da Umbra, os nossos encrenqueiros da casa). E assim surgiu do buraco negro, as artes negras!

Continua!

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