ARTE AFRICANA E AFRO AMERICANA: CONVERGÊNCIAS ENTRE ESTÉTICA, EDUCAÇÃO E SAÚDE.



Tambor de Crioula


Esta reflexão tem me vindo de forma constante, dadas as disciplinas pelas quais transito, as áreas nas quais atuo e os materiais de estudos com os quais tenho tido contato. Creio que estamos vivendo um momento de superação de uma forma estagnante de lidar com o saber, e a pequeninos passos o movimento incessante do mundo volta a ganhar lugar dentro das esferas de produção de conhecimento, já estamos conseguindo ver em textos acadêmicos frases como “inacabamento do pensamento”, “lógica do terceiro incluído”, “descolonização do pensamento” – o que significa perceber o conhecimento de povos não europeus como pertinentes e válidos no mundo contemporâneo – entre outras. Sendo assim, me sinto à vontade para captar as ideias que perambulam pelo mundo, num espaço um pouco além dos ditames medianos impostos pelas categorias de conhecimento ainda tão celebradas nas universidades.

Uma outra ressalva que preciso fazer antes de tecer as ideias, é a de que a arte que eu falo aqui são aquelas artes ditas tradicionais – nomenclatura que me irrita muito pelo seu caráter pejorativo que rotula como simplistas e estagnados no tempo os processos criativos multidimensionais de povos africanos e afroamericanos – que eu prefiro olhar como “fazeres criativos herdados e transformados”, e que na minha visão de criadora, é arte pura e simples, independente de estar institucionalizada ou não.


Escultura africana em Pedra


Pois bem, vamos ao que interessa, como afirma Walter Mignolo, estética vem do grego aesthesis, que gira em torno da modulação de percepções auditivas, visuais, olfativas, táteis e gustativa, e, só no século XVII, foi colonizada se restringindo ao entendimento de "apreciação do belo", conceituda por Immanuel Kant. Por que dizemos foi colonizada? Porque é à partir das afirmações de Kant, que as produções criativas de povos não europeus são reduzidas à “artesanatos”, “folclores”, etc, inferiorizadas e descartadas, sendo o status de arte atribuído apenas às produções da burguesia europeia. Portanto, é necessário descolonizar a aesthesis, retomando seu significado epistemológico de raiz, e reconhecendo as produções criativas dos povos não europeus também como artísticas. Sendo assim, podemos afirmar que naquilo que durante muito tempo foi chamado de artesanato e folclore residem conhecimentos, conceitos e metodologias como em qualquer outra obra de arte. Podemos perguntar a qualquer escultor que produz esculturas cerimoniais em África sobre os conceitos que permeiam a sua produção, e ele nos explicará detalhadamente o significado de cada símbolo impresso no material escolhido para trabalhar...

Percussão africana - Djembé

Continuando... quando a estética/aesthesis é entendida como modulação da percepção sensorial, se abre dentro do universo criativo artístico a transdisciplinaridade presente nesta forma de compreensão permitindo-nos diálogos diversos com outras disciplinas, mas sobretudo educação e saúde.
Dentro da esfera da educação podemos encontrar na atividade criativa artística o mecanismo de promoção do pensamento desviante, ou seja, o pensamento inovador que permite a transcendência e superação nos modos de resolução de problemas de uma determinada pessoa ou comunidade. Há valores e saberes que permeiam as práticas corporais criativas afro-brasileiras, por exemplo, que estruturam a inteligência relacional dos participantes para a vivência em grupo e interação social, e para além disso, os processos neurológicos presentes nas corporeidades dessas manifestações tanto em seus caracteres de coordenação motora global (danças, lutas, autos, etc.), quanto de coordenação motora fina (percussão, produção de figurinos e adereços, etc.) são estruturadores dos processos intelectuais da mente e elevam os níves atencionais, tão necessários para o estabelecimento de processos de aprendizagem saudáveis. Sendo assim, se olhadas com profundidade podem ser utilizadas como ferramenta para a instauração de processos de aprendizagem eficientes.


Maracatu Rural


No campo da saúde, podemos salientar primeiramente a saúde mental, que pode ser envolvida primariamente pelo ato catártico inerente a produção criativa, mas se aprofundarmos um pouco mais podemos compreender que a promoção do pensamento desviante é essencial para os processos de cura, uma vez que envolve a criação de novas conexões neuronais que podem desfazer ciclos de pensamentos repetitivos e desestruturantes em casos de pessoas com depressão, por exemplo, ou ainda, as relações de acolhimento em grupo, tão fundamentais para a estruturação do eu/self. Obviamente, há também processos neurológicos que assim como no campo da educação atuam sobre as noções de atenção e memória, permitindo a reelaboração de experiências e o aumento da capacidade de concentração. E por fim, no campo da saúde em geral essas práticas permitem ao corpo a produção de hormônios reguladores do organismo, promovendo o bem-estar e aumentando a imunidade.

Samba de Roda do Recôncavo

                Por fim, é ultranecessário que olhemos para estas práticas de um modo muito mais profundo, que transcende as categorias limitadoras, para então poder captar todo o benefício que as mesmas oferecem, permitindo-nos reelaborar metodologias de ensino  através de meios mais eficientes, ou/e encontrando práticas inovadoras de promoção da saúde e do bem-estar.



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