CONVERSA COM AÏDA COLMENERO DIAZ: ALEGRIA, SENSIBILIDADE E CONSTRUÇÃO DA INDIVIDUALIDADE ATRAVÉS DO COLETIVO, PRINCÍPIOS PEDAGÓGICOS DE BASE DA TÉCNICA ACOGNY
Em uma tarde quente e pulsante Aïda fala dos valores essenciais presentes na Técnica Acogny... Compartilho com vocês um pouco da intensidade, sensibilidade e profundidade, presentes no processo pedagógico que vivi na École de Sables!
Com
um intenso processo de formação iniciado na infância com os estudos
informais em diferentes áreas da arte, Aïda Colmenero Diaz se tornou
uma artista de múltiplas possibilidades, é comediante, criadora
intérprete em dança, produtora, professora e cineasta. Ela se situa
na ponte aérea Africa/Espanha desde 2009, e desenvolve seu projeto
educativo Programa de Formação Danza Afrique em diferentes países
do continente africano: Marrocos, Senegal, Nigéria, Gana, Cabo
Verde, Gana, Tanzânia, Guiné Conacry, Cabo Verde, Madagascar e
Gabão.
Aïda
começou sua carreira como atriz na Drama School Cristina Rota em
Madrid, depois se formou em dança contemporânea pelo Le Real
Conservatório Profesional de la Danza Mariemma também em Madrid. E
desde o início de sua carreira tem desenvolvido um sistema
multidisciplinar de trabalho, através da prática de diferentes
técnicas corporais como capoeira, yoga, butô, taichi chuan, dança
clássica, dança contemporânea, técnica “Rio Abierto”, etc.
Em
África, Aïda participou de diferentes produções em dança por
diversos países e até o momento é a única espanhola a obter o
diploma de formadora em Técnica Acogny. Após seu processo de
formação na Técnica Acogny, Aïda desenvolveu vários workshops em
diversos países de Europa e Africa, dando visibilidade e propagando
o conhecimento sobre a dança a africana.
Com
uma trajetória extensa e intensa, há 3 anos Aïda dirige o processo
criativo do trabalho She Poems/Ella Poema, uma série de videopoemas
de dança e também um espetáculo, tendo como intérpretes criadoras
mulheres africanas artistas com a intenção promover uma visão positiva e
contemporânea de África através do entrelaçamento entre
dança/video/teatro/literatura.
No
Curso Dança Negra: entre engajamento e resistência, Aïda ministrou
o módulo de Técnica Acogny . E através de uma conversa simples,
poética e tranquila com Aïda pude saber um pouco mais da sua relação
com a técnica, seu modo de pensar os processos pedagógicos/criativos e sua
forma de viver a dança, e sobretudo seu posicionamento enquanto
artista que atua no cenário da dança contemporânea africana.
Rose
- Como você chegou até a Técnica de Germaine Acogny?
Aïda:
Desde que comecei meu processo de formação em teatro pensava muito
em vir à África. Sentia essa necessidade. Após minha formação em
dança contemporânea no Le Real Conservatório de Profesional de la
Danza Mariemma que durou 6 anos consegui no ano de 2004 finalmente
vir à África estudar dança, e então fiquei sabendo da existência
da École de Sables, técnica de Germaine Acogny e da existência de
um cenário de dança contemporânea na África. Entrei em contato
com a escola para fazer os cursos, mas como sou uma pessoa branca não
pertencente à diáspora, e não sou africana, tive que esperar a
abertura de um curso internacional para estudar a técnica. Em 2009
fui selecionada para estudar aqui, foram 2 meses de curso
internacional e em 2010 fiz parte de um processo de formação na
técnica ministrado pela própria Germaine Acogny com duração de 3
anos, sendo 2 meses em cada ano, janeiro e fevereiro, e nos outros
meses desses anos eu aproveitei para desenvolver processos
pedagógicos com a técnica aqui no Senegal mesmo, viajei por
diferentes países de África, mas mantive o Senegal como residência.
R
– Quais as diferenças que você sente no seu corpo após se
especializar na Técnica Acogny?
A:
Tudo mudou! É uma mudança na maneira de ver tudo praticamente,
é um trabalho físico intenso e ao mesmo tempo um processo de
autoconhecimento muito forte. No corpo o que muda é trabalhar tendo
como princípio, como guia, a sensação... A sensação de mim mesma
em contato profundo com o ambiente. Há também uma questão muito
forte de identidade... A identidade formada à partir da sensação
do contato entre corpo e o mundo.
Para
além disso em mim ocorreu também a consciência de que sou mulher,
do meu feminino... Uma coisa que eu nunca tinha trabalhado e que a
Técnica Acogny acordou em mim. E quando digo feminino, não é o
feminino da televisão, o feminino imaginário criado pela sociedade,
mas sim o meu feminino, eu como mulher...
R
– O que você sente que é essencial na Técnica Acogny?
A:
O que vejo como essencial na técnica é trabalhar tendo
como princípios a sensação, a alegria e a conexão com a natureza,
com a vida real... A vida real são os animais, as plantas e tudo
isso que é vivo e se move a nossa volta. Nós criamos muitas coisas,
mas o que é verdadeiramente real é a vida que está em todos
nós...
R
– E no seu trabalho cênico o que mudou?
A:
Também mudaram muitas coisas, no trabalho cênico atualmente me
preocupo com o essencial, com o que é necessário de uma cena, de um
movimento de uma mensagem... O que há de mais importante a ser
dito... Quando faço meu trabalho coreográfico me preocupo em
encontrar o coração das coisas.
R
– O que a dança ocidental de origem eurocêntrica precisa aprender
com a dança africana?
A:
Em primeiro lugar creio que a dança ocidental precisa aprender o
princípio da alegria, ou seja, precisa aprender a mover-se a partir
da alegria. No ocidente trabalhamos muito à partir do abstrato, ou
do nada, não se pode expressar nada, não se pode falar de nada tudo
já foi dito, há uma grande vazio... Então creio que a alegria
seria um princípio que daria muita vida à dança do ocidente.
Uma
outra coisa é a noção de comunidade, na Técnica Acogny dançamos
em comunidade, trabalhamos o indivíduo que encontra sua identidade
na comunidade, o indivíduo que pertence a uma comunidade, não é o
“eu sozinho” trabalhando é a dança que fazemos juntos. Num aula
de dança ocidental cada pessoa entra na sala, se alonga, se
aquecesse e vai para o seu lugar fazer a aula, numa aula de Técnica
Acogny entramos na sala e nos abraçamos antes de começar a aula,
isso muda muito a maneira de dar a aula e a maneira de receber... Eu
já não estou sozinho, já estou dentro de você, te cumprimento
antes de dançarmos juntos, depois que estamos juntos de verdade
vamos dançar...
Acredito
que as noções de alegria e do indivíduo que pertence a uma
comunidade podem revolucionar, romper, transformar, aperfeiçoar a
dança ocidental...
Claro
que trabalhar a partir da sensação já é algo revolucionário...
Pedir a alguém para ser um tigre é algo que coloca a pessoa num
outro estado de atenção e de escuta, e não se trata de mostrar
(nesse momento em Europa isso se passa muito, as pessoas se preocupam
em mostrar como dançam) trata de ser, é necessário imaginar,
criar, sentir um tigre dentro de você, ser um tigre, uma serpente,
um baobá... E não é para mostrar para o outro, é para a pessoa se
sentir em si mesma... A Técnica Acogny trata de ser, isso de mostrar
para o outro é outra coisa... É ser num sentido mais universal, e
ao mesmo tempo muito prático, não é algo estranho ou exótico, eu
sou um animal também, um mamífero, e posso encontrar esses outros
seres dentro de mim...
R
– E você já trabalhou a Técnica Acogny com outros grupos, como
por exemplo, crianças, idosos?
A:
Sim, sim, trabalhei com muitos grupos diferentes em diversos países,
com crianças, adultos, como treinamento para bailarinos e atores,
artistas circenses também (um trabalho que gosto muito de fazer).
R-
E como foi trabalhar a Técnica Acogny com as crianças?
A:
Trabalhei a Técnica Acogny mesclada com outras coisas também, como
jogos teatrais por exemplo. Em África foi mais fácil trabalhar a
Técnica porque a base é a dança tradicional africana de Senegal e
Benim, e as crianças tem uma ampla convivência com os valores de
conexão com a natureza, a alegria, a noção de comunidade... E o
processo com as crianças por muitas vezes foi mais fácil do que com
os adultos, porque na Técnica Acogny e palavra brincadeira também é
essencial... O jogo, a brincadeira, a troca é muito importante, e as
crianças assimilam muito bem isso... Com atores é muito fácil
também, já os bailarinos são mais difíceis, pois se preocupam
muito em mostrar o movimento, e não brincam... Muitas vezes em
Europa o que digo primeiramente aos meus alunos é: o que vamos fazer
hoje é brincar! E só então começo a trabalhar... Porque é isso,
é brincar com o corpo... É sentir, deixar-se sentir!
A
construção da Técnica Acogny não foi feita através de escritos,
palavras... É uma Técnica elaborada pela experiência, então há
coisas nessa técnica que não são de se explicar, são de sentir...
Há que sentir, se a pessoa estiver atenta ela vai sentir... Não é
uma técnica que foi criada através da racionalização da mente,
Germayne não pensou a agora vou fazer isso ou aquilo, ela sentiu,
foi sentindo os movimentos e construindo... Foi uma técnica que
surgiu através do sentir o que o corpo quer expressar...
É
uma outra forma de aprendizagem, por vezes no primeiros dias você
precisa se preocupar com a mecânica do movimento, e depois precisa
relaxar e brincar... Por vezes até nos primeiros dias se você
relaxar e brincar com a ideia de ser um tigre ou uma árvore, isso já
vai fazer o seu corpo se organizar para fazer o movimento de forma
correta, ou seja, a preocupação e racionalização excessiva é
completamente desnecessária.
Enfim,
eis aqui um pouco de tudo o que vivi diariamente nas aulas de Aïda,
uma mulher muito forte, uma educadora/artista sensacional que nos
aponta muitos caminhos sobre como tratar o processo de aprendizagem.
Nesse
vídeo podemos ver um pouco do trabalho criativo de Aida no Projeto
She Poems/Ella Poema e compreender um pouco mais da sua forma de criar e
viver a dança:
Um
pouco mais sobre a Técnica Acogny
A
Técnica Acogny é a única reconhecida como técnica de dança
contemporânea criada em África. Sua criadora, Germaine Acogny, é
considerada como a mãe da dança contemporânea africana. A técnica
tem como base a dança tradicional africana (especialmente a de
Senegal e Benim) mesclada com técnicas de dança ocidental (balé
clássico, release e Graham).
A
filosofia dessa técnica é a identidade, posicionar o indivíduo
dentro da comunidade e da natureza, sendo consciente de seu próprio
corpo: senti-lo, tocá-lo, ama-lo. Viver o corpo e o habitar através
do sentir.
O
conceito do método e os movimentos são inovadores e originais. O
coração desta técnica é a coluna vertebral, respeitando a
diferença de cada corpo. É uma técnica que tem como base a vida, a
conexão entre ser humano e natureza. Alegria, sensibilidade,
brincadeira e coletividade são os princípios básicos da técnica.
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